Gosto de Sangue

Ao retornar para casa, Rafael encontrou o irmão mais novo, Marcos, acompanhado do amigo Eduardo. Os dois estavam desde cedo à sua procura. A notícia dada com certo atraso retirou por completo a plenitude dos momentos da noite anterior. Lívia, sua irmã, havia sido violentamente espancada pelo marido, Américo. Segundo as informações da casa de saúde local, as chances de que ela recuperasse a visão do olho esquerdo eram poucas. Quando entraram no local, na residência onde a irmã morava, sentiram o cheiro de flores mortas e bebida barata empesteando o lugar. A casa, completamente revirada, como se um vendaval tivesse passado por lá. Não havia um único móvel organizado e praticamente todos estavam danificados. A mulher apanhou tanto que as paredes do quarto ainda estavam manchadas com o sangue que espirrara do seu rosto. Tiveram vontade de vingar Lívia com as próprias mãos, mas souberam mais tarde que Américo havia partido com o primeiro transporte da manhã à serra dos pinheiros, onde possuía um pequeno sítio que servia de ponto de encontro para bêbados, prostitutas e toda sorte de marginais e desajustados da região. Não seria conveniente que fossem ao local, porque o homem poderia estar armado e na compainha de outros, pensaram os irmãos enquanto discutiam o que fazer e como dar a notícia aos velhos pais que ainda não sabiam do acontecimento. A cabeça de Rafael parecia uma espiral rodando descontrolada, alternando os pensamentos entre Nice, toda linda e nua, e a pobre irmã desgraçada. Já não sabia mais o que fazer e em determinado momento desejou que aquilo tudo não passasse de um sonho ruim e que ele acordasse novamente nos braços dela.

10 comentários:

Adriana Godoy disse...

Um texto muito bem estruturado que prende pelas palavras e imagens que vão sendo formadas. Embora ficção(?) trata de um tema real, cruel, sangrento. Essa história se repete de alguma forma em todos os cantos do país. Uma bonita forma de denúncia. Bj

Téia disse...

Oi Luciano. Tema forte. A violência doméstica é que deve passar a ser apenas um sonho ruim.

Rose disse...

Oi, Luciano

O conto mexe com os sentimentos e marca pela crueldade dos acontecimentos. Um alerta, sem dúvida, que nos faz lembrar das mazelas humanas que nos rodeiam todos os dias.

Bom ler teus textos, sempre.

Bjs,
Rose

Luciano disse...

Drika, gracias pelas palavras. A proposta é esta. Embora ficção, passa por uma realidade cruel a qual muitas mulheres vivem. Bj carinhoso.

Rê, espera-se que esse tipo de violência ou qualquer outra fique apenas na esfera da ficção ou na dos sonhos ruins. Bj.

Rose, ótimo te ver por aqui. Seja sempre muito bem vida no Gergelim. Aos pouquinhos vou aprendendo a fazer narrativas. Abração.

Rounds disse...

do caralho!

muito bem escrito. envolvente.

abs

Heyk disse...

Sabe que tô aprendendo a respeitar isso:

o recorte: a coisa de antes de traçar estratégias, vislumbrar combates e ter desfechos amorosos, o conto pode ser só um recorte, um aperto que um cara passa.

Ele não precisa necessariamente de tranaformação. Pode ser sõ o relato.

O conto pode e foi nesse caso um respiro de uma situação que não apontou pra lado nenhum, só doeu.

Foi um prazer. Um abraço. Achei pelo Guto Leite. Ah, e sou criado aí na região de campinas, artur nogueira, hoje radicado no rio.

Luciano disse...

On The Rocks, legal. Se as palavras "prendem" então a narratiba atingiu seu objetivo.
Abração meu velho.

H. Pimenta, bem por aí. Esses contos curtos não pretendem apontar para lugar algum. Cabe ao leitor imaginar, criar as possibilidades. São deliciosos exercícios de imaginação e escrita.
Seja bem-vindo e volte sempre.
Abraço.

maria disse...

Essa coisa de escrever os pedaços é meio viciante. Na verdade a maior inspiração que tive até hoje foi um professor de português da faculdade que nos ensinou, durante um período inteiro a escrever UM parágrafo! Mas há uma onda disso pelos blogs e eu tenho me entregado a ela... que bom que gostou, volte sempre!

Unknown disse...

Lamentavelmente esta nao é a primeira cena relatada nem será a ultima. Tragica, detestavel, e corriquira. Me pergunto muitas vezes, de quem é a culpa?
dele que é um monstro ou dela que aceita esse monstro?
Eu nao acredito muito em mudanças radicais. Dificilmente alguem tranquilo vira uma fera.Ele apenas pode piorar, e na certa já era assim. desculpa ter sido tao extensa. bj ZE

MERGULHANDO NAS PALAVRAS disse...

Envolvida sinestesicamente por seu texto..